O Amor é Cego

 Texto do Dr. Hugo Guerreiro

o pricipal obreiro da classificação do Figurado de Estremoz como Património Imaterial da Humanidade

e Director do Museu Municipal de Estrremoz, Prof. Joaquim Vermelho e autor do livro "Figurado de Estremoz"





Amor é Cego, uma figura ímpar da tradição bonequeira de Estremoz

São das figuras mais enigmáticas e interessantes, da grande panóplia de bonecos e temáticas que têm os bonecos de Estremoz.

O “Amor é Cego” tradicional é representado de pé. Na face apresenta os olhos vendados com tira azul e branca, tem boca e rosetas pintadas e o nariz é uma pequena proeminência. O cabelo é castanho. Na cabeça tem chapéu laranja de bico com aplique vermelho em forma de coração. O chapéu é aberto, para permitir a saída do toucado de três plumas verdes. Apresenta na costas asas vermelhas e nos braços 3 flores onde predominam os azuis, laranja e verdes, as quais descem dos ombros até ao cotovelo. Veste vestido amarelo torrado ou ocre, com saia rodada com pregas e aplique azul a toda a volta. Calça botas castanhas com cordame castanho escuro a toda a volta. Na mão direita exibe um coração vermelho com três flechas da mesma cor espetadas no topo, e na esquerda um ramo de flores policromas sobre base azul em forma de taça. A base é redonda, verde, com calcamentos em toda a superfície.

A sua origem tem conduzido às mais diversas propostas e hipóteses. Luís Chaves, por exemplo, coloca a sua origem nas danças de mascarados de carnaval, insistindo mesmo que faria parte do grupo de figuras que compunham os grandes presépios. Ou seja, seria mais uma das múltiplas cenas associadas à representação da natividade nos séculos XVIII e XIX.

Outra hipótese, que eu proponho, é a da figura ter um cariz utilitário, nomeadamente paliteiro, dado que na cornucópia estilizada observamos uns furinhos que poderiam servir para expor os palitos. O facto da peça ser produzida originalmente com o seu par, como se observa nas figuras do século XVIII e XIX, demonstra que teriam também uma função decorativa na mesa dos convivas.

Nascido do movimento neoclássico europeu setecentista, onde há uma redescoberta da estética e mitologia do mundo greco-romano, o “Amor é Cego”, que no fundo é um “Cupido” (normalmente na literatura, Cupido é apresentado como invisual), é hoje alvo de uma reinterpretação em termos estéticos, mas também literários. É muito interessante verificar como uma peça do artesanato popular tem influenciado os mais diversos autores, seja na produção de poesia, seja na modelação de novas interpretações de uma figura que tanto diz aos estremocenses e apaixonados da arte bonequeira.

Um bem haja ao Manuel Calado, homem apaixonado não só pela arqueologia e pela vida, mas também pela arte do povo, a qual explora e renova com especial mestria e aptidão.

Hugo Guerreiro



Para saber mais sobre o tema consulte o Blog Do Tempo da Outra Senhora  e, em particular, o texto sobre o Amor é Cego, do Dr. Hernani Matos, grande coleccionador e estudioso sobre os Bonecos de Estremoz e autor do livro "Bonecos de Estremoz"



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